Número total de visualizações de páginas

sábado, 12 de setembro de 2009

Numa Encruzilhada

Há decisões que se tomam no meio de alguma indecisão. Tinha planeado ir até ao Porto, assistir aos fabulosos treinos do show, Red Bull Air Race, sexta-feira e sábado, domingo tenho que voltar ao trabalho. Seria a minha segunda presença, estive lá em 2007. Ao ouvir noticias sobre as previsões do tempo e a possibilidade da presença de nevoeiro, que cancelaria os treinos, o que aconteceu sexta-feira, resolvi pensar.
Indeciso entre o ir e não ir, decidi não ir.
Se isto me têm acontecido há uns tempos atrás, não hesitaria por certo, ia e logo se via. Rumaria à aventura. Em viagens se há coisa que descarto, são os pacotes turísticos. Aventura e emoção é o meu lema. E por vezes alguma loucura, reconheço.
Como não fui, resolvi vir até Sines, jantar num conhecido restaurante à beira-mar. Apetecia-me estar só. Fiz de seguida uma ronda pelas rotineiras capelinhas da noite.
Estranhamente, e sem saber porquê, pela minha cabeça passavam peças da minha vida de uma forma totalmente desordenada, desconexa. Coisas que a solidão e a melancolia inventa?
Não, não era esse o motivo.
O que me está a acontecer? Interrogava-me cá para mim
Algures, cá fundo, ouvia palavras amigas, de amigas / amigos que, quando falávamos das formas da vida vivida, e eu defendia a minha “vivência”, várias vezes me disseram “um dia mudarás, isso acaba, com a idade, isso passa”. Nem ligava. Vejo agora como tinham razão. Era impensável da minha parte até há bem pouco tempo admitir semelhante coisa. Mas a vida tem destas coisas, além de um enigma é uma mudança constante. É giro como a minha se está modificar. É impressionante o que a vida nos reserva. Como tinham razão, as observações que me fizeram, os conselhos que me deram, enfim, dou a mão à palmatória. Tudo tem um fim. Como as nossas naturezas são tão idênticas e tem sentimentos tão iguais. Fica-me a lição.
Com uns canecos bem benzidos, resolvi dormir no meu apartamento de Sines. Não tinha necessidade de correr riscos até Santo André. Para loucura chegou a viagem que fiz de mota na quarta-feira passada, desde uma cidade nos arredores de Lisboa até Sines: de noite e quase sempre a rolar acima dos dois zero zero.
Tive a percepção clara que deixei preocupadas, as pessoas amigas com quem jantei. Não me assiste esse direito.
Fui buscar a chave que tinha no carro, e dirigi-me a casa aproveitando para fazer uma curta caminhada. Afinal estava perto.
Queria dormir a ouvir o mar, o mar é como uma música delico-doce, daquelas que sempre nos conseguem derreter o coração.
Entrei no quarto, abri a janela e a persiana, deitei-me de costas sobre a cama, a olhar o tecto, a ouvir o mar.
Minutos depois de estar ali escarrapachado sobre o colchão, dou comigo a imaginar o futuro, a ensaiar a conversa que vou ter, a planear o encontro inesperado que pode acontecer.
- O que se passa Zé Morgas? Estás apaixonado!
Interrogou, exclamou, algo no meu íntimo.
Que grande pinta. Conserva e cultiva o melhor estado em que alguém pode estar. Aconselhou algo no meu íntimo
Levantei-me atarantado e fui até à varanda. Sentei-me na minha cadeira dos sonhos a olhar o mar.
A pouco e pouco, a minha respiração voltava ao normal, o coração tornara a descer até ao peito, embora continuasse a bater forte. Mas a cabeça ficara à razão de juros.
Como é possível, tantos anos depois, voltar a sentir aquele turbilhão por todo o corpo, motivado pelo súbito pensamento de alguém?
Emoções súbitas, desencadeadas pelo aparecimento de um estímulo súbito, intenso e totalmente inesperado, que não controlo, que não domino, e a que não resisto.
O sonhar voltou à minha vida.
Olho o mar, revejo em memória a vida passada.
Sei que tenho levado uma vida um bocado ao calhas que com o passar dos anos já não calha nada. Sei que em determinadas situações optei por opções equívocas, enganadoras e traiçoeiras, como são as soluções fáceis, que além de fáceis, também são falsas.
É como correr sem sair do mesmo sítio. Uma pessoa cansa-se, estafa-se, desespera e só vê a vida a andar para trás.
Começo a ficar farto desta vida, uma vida à boa portuguesa, à latino.
Os portugueses, aliás como os latinos em geral, gostam genericamente do convívio social, que se traduz em passeios, festas, reuniões, encontros, visitas, chás, cafés, almoços, jantares, almoçaradas e lancharadas e jantaradas e sardinhadas e outro tipo de patuscadas. A comida e a bebida, para os lusitanos, está intimamente ligada ao acto de socializar, de seduzir, de namorar, de estar em família ou em grupo.
Uma vida farta de sexo, deserta de amor.
O facto é que me cansei do sexo gratuito, das noites em camas estranhas com mulheres estranhas conhecidas umas horas, uns momentos antes.
Recordo de tempos a tempos, mulheres encontradas por acaso no canto de um sofá de uma qualquer discoteca visitada, Sobem comigo ao 2º ou ao 8º andar, para uma rápida imitação do deslumbramento e da ternura de que conheço já de cor os mínimos detalhes, desde o desenvolto whisky inicial ao primeiro soslaio de desejo suficientemente longo para não ser sincero, até o amor acabar no chapinhar do bidé, onde as grandes efusões se desvanecem à custa de sabonete, raiva e agua morna.
Despedimo-nos no corredor trocando números de telefone que imediatamente se esquecem e um beijo que a falta de batôn torna incolor, e elas evaporam-se da minha vida.
Mais, aconteceu-me por vezes acordar ao lado de uma mulher que conheci poucas horas antes, junto a um candeeiro propício de bar, de que o cone opalino confere às rugas um insidioso encanto de uma sábia maturidade, e eis que o subir da persiana me mostra, brutalmente, uma criatura avelhentada e vulnerável, naufragada nos lençóis num abandono cuja fragilidade me enfurece.
Agora, apetece-me descobrir outra vez o grandioso jogo da sedução, os olhares, as meias palavras, reaprender a saborear os beijos; Sim beijar, para começar qualquer coisa, ou para a acabar. Beijar de todas as maneiras e feitios, numa saborosa rotina ou em inesperada inquietação. Beijar porque o tempo pára e nos faz desejar mais, beijar porque não há nada igual; porque ninguém finge um beijo que junta à nossa a respiração apaixonada do outro. Usar o beijo para gritar tudo aquilo que não nos sentimos preparados para dizer...sem corar...; as carícias em corpos “calientes”, a inebriante tensão da espera. É a expectativa a dar vida ao desejo.
É quase como voltar a ser virgem outra vez, só que agora aos quarenta e muitos anos, com uma carreira bem lançada, carro, mota, apartamentos, garagem, tudo em meu nome e umas dezenas de viagens por esse mundo fora. Enfim, estar pronto a reviver as emoções da adolescência, mas desta vez sem regras. Quando tinha 18 anos sabia que no primeiro encontro, o máximo que poderia acontecer era tocar-lhe na mão. Mas, hoje, por vezes as tentações da carne nunca resistem muito tempo aos argumentos racionais. E agora?
Em teoria andamos todos a tentar descobrir os prazeres do completo equilíbrio. Mas nunca escapamos da velha indecisão entre os apelos da paixão e a nossa nova consciência dos desejos sexuais. Neste processo de análise e descoberta depressa concluímos que o sexo não pode obedecer a precisos calendários. A verdade é que nenhum de nós consegue predizer com absoluta certeza quando e por quem nos vamos apaixonar. Da mesma forma é quase impossível prever se vamos sucumbir ou resistir a uma paixão sexual.
E o pior de tudo é que muitas vezes entre as teorias que defendemos e aquilo que vivemos vai uma distancia enorme.
Por mim, começo a recusar correr qualquer risco em nome do prazer imediato. Fantástico, como entre um fugaz amor físico e uma história com os tons de um romance de amor, me começo a render às leis do coração.
Não quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça dormir, quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça acordar.
Sei, que ser amado é importante, mas ser desejado é fundamental.
Conhecer gente é agradável, mas ter amigos é essencial.
Isto só para dizer que somos seres sociais e que, apesar de tudo, na maior parte das vezes necessitamos desesperadamente de estar com os outros, de partilhar, de conviver e de combater a tão temida solidão, por mais que se aprenda a viver com ela.
Não sei como, mas tenho que sair desta encruzilhada.
Agora percebo, como não é fácil viver a pensar, no que se não consegue esquecer.
É verdade, a vida passa, o amor acaba.
O melhor é vivê-los.
Zé Morgas

2 comentários:

  1. Excelente texto, Zé. Desconheço se o talento surgiu associado ao deslumbramento da nova(?) perspectiva da vida ou se sempre lá esteve, como que hibernado à espera da primavera desses quarenta e muitos maduros e vividos anos. Desconfio que a amada não ficará insensível a essa sensibilidade que colocas na tua escrita.
    Diz-me: a pérola "não quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça dormir, quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça acordar" é mesmo da tua lavra?

    ResponderEliminar
  2. Pois "cabeça à razão de juros"!!! Que raio!!! Há que tempos que não lia nem ouvia esta frase, tantas vezes pronunciada pela boca da minha Mãe! Ao longo da leitura, fui descobrindo o filósofo, o poeta, o homem apaixonado... E porque não?! Se estiveres... parabéns. Se não estiveres... ainda vais a tempo. A vida prega-nos boas "partidas"!!!
    Para terminar, aqui vão mais parabéns por este texto tão bem encadeado, com princípio, meio e fim. Fim?! Acho que não... Ah! A pérola referida pelo Karraio é mesmo de se lhe tirar o chapéu!

    ResponderEliminar