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sábado, 15 de maio de 2010

A Panela

Durante quase vinte anos, companheira inseparável do fogão, guardiã incansável dos queimadores, vulgo os bicos, e eis, que subitamente se vê arredada e privada das funções que silenciosamente e exemplarmente cumpriu.
Sem na verdade saber porquê, foi destronada do seu pedestal, a minha panela de ferro, comprada no Recinto de Nossa Senhora Do Bom Sucesso.
Desde pequeno que sempre ouvi dizer lá pelas bandas onde nasci, na bonita Vila de Penamacor, entre as feiticeiras mulheres, que a sedução se inicia na cozinha, e ali poderiam enfeitiçar quem quer que fosse, obter amor, dinheiro, saúde, enfim, tudo.
Dai que a cozinha, se tenha tornado um espaço mágico, fosse respeitada como um lugar sagrado, o altar das mulheres.
Nesse altar, único local onde não tinha medo de ser mulher, e onde compreendia o mistério do poder da fêmea, a mulher seduzia sem manha, mesmo que por vezes, os resultados nem fossem os mais esperados, ou os mais satisfatórios, depositava os mais caros segredos, as mais altas expectativas e até mesmo os mais ardentes desejos.
Ao longo dos anos, a mulher, nesse altar, a cozinha, transformou os mais parcos e corriqueiros ingredientes num cardápio digno de servir o Papa, Cardeais, Bispos e Divindades.
Cresci, a respeitar, esse espaço que não era meu, não o invadindo.
Mais, sempre me custou aceitar o facto de se passar três, quatro, por aí adiante, horas a cozinhar, para depois se comer tudo em apenas alguns minutos.
Excluindo a satisfação da degustação e o prazer ao palato.
Mas, a vida têm cá coisas!
Estive há dias numa consulta rotineira, no âmbito da medicina no trabalho, e, ao queixar-me de um pequeno incómodo sentido, ainda ressaca da queda de mota sofrida, fui aconselhado a fazer uma ecografia à massa peritoneal. Aguardo o resultado, mas lá me disso o Médico:
- Têm que perder peso.
Há muito que o sei.
Decidi então que está na altura de me poupar a alguns exageros, é a altura para começar a “controlar a gula” e aprender a cozinhar.
Até tenho grandes amigos e colegas de trabalho, que são grandes cozinheiros.
A cozinha já não é um local só das mulheres, já não é o seu exclusivo altar.
Em jeito de confissão, não posso deixar de partilhar o seguinte:
Sei, porque em conversas com amigos frequentemente o constato, e onde me incluo, o grande mal para as cabeças masculinas, têm sido a descoberta tardia, porque o homem sempre demora mais tempo a perceber determinadas situações, em não perceber que a mulher cresceu no aspecto profissional, no aspecto pessoal e na realidade de vida.
É mesmo com pesar, muito pesar, que algumas vezes informo alguns homens mais atrasados, quase primatas, que as mulheres se tornaram mais conscientes e pensantes, passaram a realizar os seus sonhos, e que neles não estão incluídos apenas a maternidade como principal, e a cozinha.
Doravante, quero testar as minhas capacidades, usar a minha criatividade, paciência e habilidade, desenvolvê-la-ei decerto, para fazer a minha própria comida.
Ousarei mesmo, um dia, depois de saber, ou julgar saber, confeccionar boa comida, obsequiar uma Mulher linda e pensante, com um delicioso jantar.
Parto, com vontade, rumo à aprendizagem.
Zé Morgas

1 comentário:

  1. Ficaria mais pobre, se não tivesse passado por aqui. Um texto leve e gracioso, fina ironia, a fazer-nos sorrir e pensar.
    Obrigado, Zé!
    Abraço de Amigo

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