Foi muita a correspondência que troquei com várias entidades afim de saber porque não tinha sido operado há cerca de um ano a uma hérnia incisional.
Esclarecido mas não totalmente convencido, foram-me indicadas quatro unidades hospitalares à escolha, aceitei novamente os serviços do Hospital do Litoral Alentejano.
Confirmada a data de entrada, desta vez pela Cirurgia do Ambulatório, sozinho, e com os mesmos pavores na cabeça com que me dirigi na primeira vez para o Hospital, na data e hora combinada compareci, dia 2 de Julho pelas 12 horas.
Apresentações feitas, indicada a “cama” para aguardar a vez, novamente me foi distribuída a tal bata de vestir da frente para trás e as meias elásticas.
Já equipado e deitado, com a companhia de duas enfermeiras para me entubarem e prepararem para a cirurgia, perguntou-me uma o que tinha comido ao pequeno-almoço.
Disse-lhe o que tinha ingerido pelas sete da manhã.
Vi a preocupação no seu rosto, levou as mãos à cabeça.
- Assim não pode ser operado. Tenho que falar com a doutora anestesista.
Volvido algum tempo voltou, disse-me que seria operado nesse dia, mas seria o último. Atrasaria a operação em meia dúzia de horas, seria o último, mas seria de certeza operado.
Disse-me que eu tinha ingerido alimentos em excesso. Teria de me resignar à decisão.
Com toda a verdade disse-lhe ter sido um pequeno-almoço muito aquém dos meus rotineiros e exagerados hábitos.
Veio-me à memória um jantar de Amigos entre gente Amiga em Penamacor na casa do Chico, lá para as bandas do Poço Carvalho no passado mês de Junho. Um delicioso ensopado de borrego temperado de véspera à moda das nossas avós, pela Manuela a senhora sua esposa, cozinhado em panela de ferro, ao calor de borralho brando. Papei três entaipados discos, regados com um néctar digno do deus grego Dionísio. Foram recordadas por alguns dos presentes, para espanto de outros, umas “brutidades” entre desafios e apostas por mim cometidas ao balcão, um ex-libris arquitectónico em formato de ferradura, do saudoso restaurante “O POÇO”.
Pão, azeitonas, quatro bifes à casa, um queijinho da Serra para sobremesa, com apenas mil e trezentas graminhas, metade comido com casca, café e bagachinho… isto numa só refeição.
Outras houve, igualmente violentas, genuínos testes, puros e duros, à qualidade da dilatação estomacal. Um dia, delas falarei…
Nada a fazer, com o cateter entretanto enfiado no braço esquerdo, restava-me aguardar pacientemente.
Na sala estavam mais cinco utentes. Saiu o primeiro a caminho do bloco operatório.
Para companhia de todos uma televisão.
Nos noticiários as notícias de abertura invariavelmente falavam da inevitável greve dos médicos e da injustiça com as contratações dos enfermeiros a um preço hora abaixo do que se paga a uma vulgar empregada de limpeza, pese todo o respeito que tenho e merece a classe.
A ouvir as notícias, a observar o trabalho das enfermeiras, paulatinamente, altruisticamente, ia pensando.
Medicina e enfermagem são ofícios que exigem o mais rigoroso altruísmo.
Médicos/as e enfermeiros/as, ambos/as dedicam atenção ao Paciente, mas quem mais tempo passa com eles?
As visitas dos médicos salvo excepções, duram momentos, enquanto os enfermeiro/as ficam encarregues de administrar aos pacientes os medicamentos prescritos, procurar veias invisíveis, fazer curativos, cuidar da higiene, ouvir reclamações, incitar os pacientes a reagir e a enfrentar o desconforto, consolá-los, orientar e amparar familiares, tarefas que requerem competência profissional, empatia e desprendimento.
Paulo Macedo deveria saber isto, anularia aqueles malditos concursos de mão-de-obra barata.
O problema dos médicos, grave e perigoso, é a sua transformação em gestores de doentes. Uma medida problemática.
Todos os dias o Povo é bombardeado com o anúncio de novos e maiores sacrifícios, e as promessas de cortes nas “gorduras do Estado”.
Na Net circulam pedidos sem resposta e creio que jamais exequíveis, seriam rudes golpes nos interesses instalados, para a redução do número de deputados no Parlamento e vereadores nas Assembleias Municipais, redução das benesses pecuniárias que auferem, reduzir os prémios de presença nas reuniões, reduzir, abolir mesmo as luxuosas frotas de viaturas nas empresas participadas do Estado pagas pelo Povo, etc, etc, e teríamos de facto um bom corte nas ditas ”gorduras”.
Há contudo que salvar o melhor serviço possível ás populações, já que são elas a razão de ser da organização política, e a razão da existência dos políticos. Só assim a política é um serviço e não uma promoção de alguns; e essa é a sua missão que a torna nobre: Servir o Povo.
O político deve servir o cidadão.
Na Saúde há porém outro problema. Nos últimos anos com a chegada dos privados a esta área levantou-se um novo problema: até que ponto é que os critérios de gestão impostos nos hospitais privados e nos públicos com gestão privada, como a imposição de objectivos, não são um factor de pressão para os médicos?
Quando uma administração impõe que um médico despache meia dúzia de operações num dia está a prestar um bom serviço?
E será que o médico, no final da terceira, está em condições para continuar a operar?
O cidadão paciente confia ao médico o que de mais valioso têm: A Vida.
Espera dele a diligência necessária para evitar um mal maior.
Como em todas as áreas e profissões, há os cumpridores dedicados, e… os outros.
O cidadão acredita sempre que encontra sempre os primeiros, aquele que estará sempre ao seu lado e tome as decisões que se impõem.
Estes pensamentos nesta divisão de conceitos política - saúde que abrangem toda a sua extensão, levou-me a perceber as palavras da enfermeira:
… Seria o último, mas seria de certeza operado.
Tal aconteceu por volta das 20 horas desse dia 2 de Julho de 2012.
Conduzido ao bloco operatório, uma breve conversa com a equipa: cirurgião, anestesista, enfermeiras, braços amarrados, senti as pálpebras a cobrirem os olhos rumo a uma serenidade sem descrição
Acordei pelas 22 horas a ouvir uma palavra de conforto da enfermeira de serviço.
Reconduzido à sala do ambulatório, onde à entrada estava o meu amigo Risadinhas, sem tempo sequer para ambientar os olhos ao espaço onde já estivera oito horas em tétrica meditação política, ordenou-me a enfermeira:
- Telefone ao seu amigo para o vir buscar mais logo, pelas sete e meia da manhã.
- Telefonar agora? Retorqui
- Sim, agora mesmo, antes que se faça mais tarde.
Assim fiz.
Seguiu-se um passar de horas sem conseguir ferrar no sono.
Pelas 6h e 30m houve toque de alvorada, acenderam as luzes.
Fui “desentubado”, fiquei apenas com o dreno “cravado” na barriga.
- Levante-se, ordenaram-me
- Como, assim neste estado? Operado há tão pouco tempo!
- Ponha o braço direito sobre o penso, use o braço esquerdo para auxílio no levantamento do corpo.
Percebi que não valia a pena entrar em lamechices. Obedeci.
Em pé, a segurar o dreno, dirigi-me ao vestiário onde troquei a indumentária hospitalar pela roupa civil.
- Sentiu alguma tontura?
- Não
- Pode tomar o pequeno-almoço.
Escolhi um sumo de laranja e uma sandes de fiambre. Confesso que tinha fome e a operação não tinha sido ao estômago.
Chegou entretanto a médica estagiária, auxiliar do cirurgião. Uma observação visual, distante, autorizou o enfermeiro a sacar-me o dreno.
Foi também o enfermeiro, que me explicou com um profissionalislo exemplar, tintim por tintim, como deveria tomar toda a medicação prescrita pelo médico.
Mudança de turno, entraram ao serviço as mesmas enfermeiras que me prepararam para a operação no dia anterior. Para elas, tal como para a colega do turno da tarde, fica aqui o registo de um sincero Bem Hajam pelo profissionalismo, competência e dedicação demontradas.
Mudança de turno, entraram ao serviço as mesmas enfermeiras que me prepararam para a operação no dia anterior. Para elas, tal como para a colega do turno da tarde, fica aqui o registo de um sincero Bem Hajam pelo profissionalismo, competência e dedicação demontradas.
Sentado numa cadeira aguardei que me fossem buscar, estava proibido de conduzir por um período de sete dias.
Sai do hospital pelas nove da manhã do dia 3 de Julho, com uma "costura" de quinze centrimetros e a obrigação de lá voltar no dia 16 pelas 12 horas.
No dia 16 de Julho de 2012, depois de o médico cirurgião me ter dado dois ou três toques com os dedos na zona intervencionada, disse-me que teria de estar três meses sem fazer esforços e que estava tudo bem.
Alertei-o então para o facto de, já há uns dois dias me ter começado a inchar o tornozelo e a perna direita, e sentir algumas dores, o que me causava bastante desconforto. Com o indicador da mão direita fez-me um diagnóstico a ambas as pernas na parte inferior logo a seguir aos pés.
Estava tudo bem e era normal o inchaço.
Sai apenas com um papel na mão a solicitar agendamento de consulta para daí a +/- 1 mês.
(consulta marcada para o dia 20 de Agosto, entretanto desmarcada por carta recebida e remarcada para o dia 3 de Setembro de 2012)
No dia 17 de Julho, a seguir ao jantar, recebi a visita de um Amigo meu. Mostrei-lhe o estado do tornozelo e da perna e lamentei-me das dores que sentia, que se agravavam.
Disse-me que eu tinha uma tromboflebite. Aconselhou-me a ir a um médico para ser observado. Relatou-me o exemplo de um seu irmão que havia passado pelo mesmo, as complicações que tinha tido. Assustei-me com o que ouvi. Contei-lhe que no dia anterior tinha estado no Hospital do Litoral Alentejano e o médico que me observou me ter dito ser normal aquele inchaço a seguir a uma operação.
Reconheço que nada percebo de medicina, confiei na palavra do Professional que me observou.
Passei todo o dia 18 de Julho com fortes e incomodativas dores na perna, sempre na esperança de melhorias.
Na manhã do dia 19 de Julho, depois de me levantar, ao tentar apoiar o pé direito no chão para andar, constatei que não o conseguia fazer, as dores eram insuportáveis.
Deitei-me, amaldiçoando o meu triste infortúnio. Em condições normais estaria a caminho de Faro, a conduzir a minha Mota, para participar na concentração internacional de motas.
Levantando-me a custo, por duas ou três vezes, fiz umas tentativas para andar.
Sem sucesso. A dor foi sempre mais forte do que eu.
Pelas 17 horas, com um enorme esforço, de dentes cerrados alheando-me à dor, dirigi-me a um consultório médico a fim de ser observado.
O veredicto médico confirmou o que me havia “diagnosticado” caseiramente o meu Amigo Prof.
60 comprimidos Daflon 500mg e 28 comprimidos Clopidogrel Krival 75, foi a receita para o tratamento e a recomendação de muito repouso.
Uma interrogação assalta a minha mente:
Como é possível que com tamanhos sintomas (ainda hoje é visível o inchaço no tornozelo direito) o cirurgião que me operou, não me tivesse diagnosticado logo no dia 16 de Julho, no Hospital do Litoral Alentejano, a tromboflebite?
Acredito que teria sofrido menos e a recuperação teria sido mais rápida.
Assim tem sido a minha sina com o que me disseram ser uma simples operação a uma hérnia.
“Quando as coisas nascem tortas, tarde ou nunca se endireitam.”
Dia 3 de Setembro lá estarei na certeza de que melhores dias virão.
Zé Morgas
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