Há decisões que se tomam no meio de alguma indecisão. Tinha planeado ir até ao Porto, assistir aos fabulosos treinos do show, Red Bull Air Race, sexta-feira e sábado, domingo tenho que voltar ao trabalho. Seria a minha segunda presença, estive lá em 2007. Ao ouvir noticias sobre as previsões do tempo e a possibilidade da presença de nevoeiro, que cancelaria os treinos, o que aconteceu sexta-feira, resolvi pensar.
Indeciso entre o ir e não ir, decidi não ir.
Se isto me têm acontecido há uns tempos atrás, não hesitaria por certo, ia e logo se via. Rumaria à aventura. Em viagens se há coisa que descarto, são os pacotes turísticos. Aventura e emoção é o meu lema. E por vezes alguma loucura, reconheço.
Como não fui, resolvi vir até Sines, jantar num conhecido restaurante à beira-mar. Apetecia-me estar só. Fiz de seguida uma ronda pelas rotineiras capelinhas da noite.
Estranhamente, e sem saber porquê, pela minha cabeça passavam peças da minha vida de uma forma totalmente desordenada, desconexa. Coisas que a solidão e a melancolia inventa?
Não, não era esse o motivo.
O que me está a acontecer? Interrogava-me cá para mim
Algures, cá fundo, ouvia palavras amigas, de amigas / amigos que, quando falávamos das formas da vida vivida, e eu defendia a minha “vivência”, várias vezes me disseram “um dia mudarás, isso acaba, com a idade, isso passa”. Nem ligava. Vejo agora como tinham razão. Era impensável da minha parte até há bem pouco tempo admitir semelhante coisa. Mas a vida tem destas coisas, além de um enigma é uma mudança constante. É giro como a minha se está modificar. É impressionante o que a vida nos reserva. Como tinham razão, as observações que me fizeram, os conselhos que me deram, enfim, dou a mão à palmatória. Tudo tem um fim. Como as nossas naturezas são tão idênticas e tem sentimentos tão iguais. Fica-me a lição.
Com uns canecos bem benzidos, resolvi dormir no meu apartamento de Sines. Não tinha necessidade de correr riscos até Santo André. Para loucura chegou a viagem que fiz de mota na quarta-feira passada, desde uma cidade nos arredores de Lisboa até Sines: de noite e quase sempre a rolar acima dos dois zero zero.
Tive a percepção clara que deixei preocupadas, as pessoas amigas com quem jantei. Não me assiste esse direito.
Fui buscar a chave que tinha no carro, e dirigi-me a casa aproveitando para fazer uma curta caminhada. Afinal estava perto.
Queria dormir a ouvir o mar, o mar é como uma música delico-doce, daquelas que sempre nos conseguem derreter o coração.
Entrei no quarto, abri a janela e a persiana, deitei-me de costas sobre a cama, a olhar o tecto, a ouvir o mar.
Minutos depois de estar ali escarrapachado sobre o colchão, dou comigo a imaginar o futuro, a ensaiar a conversa que vou ter, a planear o encontro inesperado que pode acontecer.
- O que se passa Zé Morgas? Estás apaixonado!
Interrogou, exclamou, algo no meu íntimo.
Que grande pinta. Conserva e cultiva o melhor estado em que alguém pode estar. Aconselhou algo no meu íntimo
Levantei-me atarantado e fui até à varanda. Sentei-me na minha cadeira dos sonhos a olhar o mar.
A pouco e pouco, a minha respiração voltava ao normal, o coração tornara a descer até ao peito, embora continuasse a bater forte. Mas a cabeça ficara à razão de juros.
Como é possível, tantos anos depois, voltar a sentir aquele turbilhão por todo o corpo, motivado pelo súbito pensamento de alguém?
Emoções súbitas, desencadeadas pelo aparecimento de um estímulo súbito, intenso e totalmente inesperado, que não controlo, que não domino, e a que não resisto.
O sonhar voltou à minha vida.
Olho o mar, revejo em memória a vida passada.
Sei que tenho levado uma vida um bocado ao calhas que com o passar dos anos já não calha nada. Sei que em determinadas situações optei por opções equívocas, enganadoras e traiçoeiras, como são as soluções fáceis, que além de fáceis, também são falsas.
É como correr sem sair do mesmo sítio. Uma pessoa cansa-se, estafa-se, desespera e só vê a vida a andar para trás.
Começo a ficar farto desta vida, uma vida à boa portuguesa, à latino.
Os portugueses, aliás como os latinos em geral, gostam genericamente do convívio social, que se traduz em passeios, festas, reuniões, encontros, visitas, chás, cafés, almoços, jantares, almoçaradas e lancharadas e jantaradas e sardinhadas e outro tipo de patuscadas. A comida e a bebida, para os lusitanos, está intimamente ligada ao acto de socializar, de seduzir, de namorar, de estar em família ou em grupo.
Uma vida farta de sexo, deserta de amor.
O facto é que me cansei do sexo gratuito, das noites em camas estranhas com mulheres estranhas conhecidas umas horas, uns momentos antes.
Recordo de tempos a tempos, mulheres encontradas por acaso no canto de um sofá de uma qualquer discoteca visitada, Sobem comigo ao 2º ou ao 8º andar, para uma rápida imitação do deslumbramento e da ternura de que conheço já de cor os mínimos detalhes, desde o desenvolto whisky inicial ao primeiro soslaio de desejo suficientemente longo para não ser sincero, até o amor acabar no chapinhar do bidé, onde as grandes efusões se desvanecem à custa de sabonete, raiva e agua morna.
Despedimo-nos no corredor trocando números de telefone que imediatamente se esquecem e um beijo que a falta de batôn torna incolor, e elas evaporam-se da minha vida.
Mais, aconteceu-me por vezes acordar ao lado de uma mulher que conheci poucas horas antes, junto a um candeeiro propício de bar, de que o cone opalino confere às rugas um insidioso encanto de uma sábia maturidade, e eis que o subir da persiana me mostra, brutalmente, uma criatura avelhentada e vulnerável, naufragada nos lençóis num abandono cuja fragilidade me enfurece.
Agora, apetece-me descobrir outra vez o grandioso jogo da sedução, os olhares, as meias palavras, reaprender a saborear os beijos; Sim beijar, para começar qualquer coisa, ou para a acabar. Beijar de todas as maneiras e feitios, numa saborosa rotina ou em inesperada inquietação. Beijar porque o tempo pára e nos faz desejar mais, beijar porque não há nada igual; porque ninguém finge um beijo que junta à nossa a respiração apaixonada do outro. Usar o beijo para gritar tudo aquilo que não nos sentimos preparados para dizer...sem corar...; as carícias em corpos “calientes”, a inebriante tensão da espera. É a expectativa a dar vida ao desejo.
É quase como voltar a ser virgem outra vez, só que agora aos quarenta e muitos anos, com uma carreira bem lançada, carro, mota, apartamentos, garagem, tudo em meu nome e umas dezenas de viagens por esse mundo fora. Enfim, estar pronto a reviver as emoções da adolescência, mas desta vez sem regras. Quando tinha 18 anos sabia que no primeiro encontro, o máximo que poderia acontecer era tocar-lhe na mão. Mas, hoje, por vezes as tentações da carne nunca resistem muito tempo aos argumentos racionais. E agora?
Em teoria andamos todos a tentar descobrir os prazeres do completo equilíbrio. Mas nunca escapamos da velha indecisão entre os apelos da paixão e a nossa nova consciência dos desejos sexuais. Neste processo de análise e descoberta depressa concluímos que o sexo não pode obedecer a precisos calendários. A verdade é que nenhum de nós consegue predizer com absoluta certeza quando e por quem nos vamos apaixonar. Da mesma forma é quase impossível prever se vamos sucumbir ou resistir a uma paixão sexual.
E o pior de tudo é que muitas vezes entre as teorias que defendemos e aquilo que vivemos vai uma distancia enorme.
Por mim, começo a recusar correr qualquer risco em nome do prazer imediato. Fantástico, como entre um fugaz amor físico e uma história com os tons de um romance de amor, me começo a render às leis do coração.
Não quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça dormir, quero encontrar uma pessoa com quem me apeteça acordar.
Sei, que ser amado é importante, mas ser desejado é fundamental.
Conhecer gente é agradável, mas ter amigos é essencial.
Isto só para dizer que somos seres sociais e que, apesar de tudo, na maior parte das vezes necessitamos desesperadamente de estar com os outros, de partilhar, de conviver e de combater a tão temida solidão, por mais que se aprenda a viver com ela.
Não sei como, mas tenho que sair desta encruzilhada.
Agora percebo, como não é fácil viver a pensar, no que se não consegue esquecer.
É verdade, a vida passa, o amor acaba.
O melhor é vivê-los.
Zé Morgas