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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

No Hospital - 3


Acabou por ser mais rápida a chamada para a reparação da minha hérnia inguino crural, do que inicialmente previra.
Inscrito e registado em 19 de Agosto na lista de espera para cirurgia na especialidade de Cirurgia Geral, assumiu o Hospital do Litoral Alentejano o compromisso, por escrito, de me operar no tempo máximo de espera de nove meses.
Com surpresa, fui chamado para a consulta de anestesiologia e exames pré operatórios no dia 29 de Setembro.
Nesse dia fiquei a saber pela médica de serviço que a cirurgia se efectuaria sob o efeito de anestesia epidural, pela enfermeira fui informado dos procedimentos a respeitar antes de dar entrada no hospital dia 10 de Outubro pelas 8 da matina para a realização da dita cirurgia.
Sabendo da fominha que me aguardava a partir de sexta feira, quinta feira, dia de cozido à portuguesa no restaurante Ti Lena, em Deixa o Resto, foi ai que decidi sentar as nalgas e atabojar-me com uma valente travessa de couves, muita carne sortida e bom toucinho branco de três dedos, tudo bem mergulhado em tinto de boa uva, na companhia de três amigos.
A vida sempre é demasiado curta para se beber mau vinho.
Foi no restaurante, que um grande amigo, o Prof, me obrigou a acompanhá-lo na sua viatura no dia seguinte até à porta do Hospital. Por teimosia estava disposto a ir sozinho na minha viatura, tal como o fizera na operação anterior.
Sexta feira, à hora combinada dei entrada no serviço de cirurgia de ambulatório.
Preenchida a papelada do costume, breve estava a cumprir um ritual que ainda não tinha esquecido: tira roupa, veste bata da frente para trás, aperta bata, calça meias elásticas que mordem as virilhas, e há que aguardar desconfortavelmente deitado o agonizante momento das picadas de agulha.
Entubado a soro na mão direita, colocado no braço esquerdo o acessório do medidor de tensão arterial que sempre que enchia quase me garroteava o braço assim permaneci quase duas horas.
Cerca das dez da matina começou o transporte e a transferência para a sala do “corte”.
Seis foram as pessoas que contei, não sei se mais havia presentes. Reconheci o médico cirurgião que me tinha diagnosticado a hérnia, a médica e a enfermeira do serviço de anestesiologia.
Fui então informado com uma linguagem técnica que não domino, mas lá percebi que iria ser submetido ao efeito da anestesia Raqui, ou raquidiana, dada na zona da vertebra L4, e iria sentir apenas uma picada e um efeito fresco.
Deitado de papo para o ar sobre a marquesa foi-me então ordenado que me deitasse sobre o lado esquerdo, encostasse a cabeça ao peito e flectindo as pernas pelos joelhos as encostasse à barriga.
Sei que não tenho um corpinho de atleta contorcionista, pese o facto de ser bastante perfeito, 1300 cm de barriga, 1230 cm de peito, e, quase sete arrobinhas de pura elegância, faltam umas poucas milésimas partes do quilograma.
Tentei sem conseguir a posição desejada, súbito sinto a bata que se desaperta, duas mãos na cabeça a empurrá-la direitinha ao peito, duas mais a empurrar-me os pés contra as coxas, duas mais a puxarem-me os joelhos contra a barriga e a barriga de alguém a roçar-me as nalgas.
Oh Diabo!!!
De onde vieram tantas mãos? Valha-me ao menos que eram todas mãos femininas.
Naquela posição corcunda, sentia-me fragilmente exposto e demasiadamente vulnerável, foram cinco ou dez minutos que me pareceram horas.
Senti um toque e uma ligeira pressão nas costas, uma leve picada, pouco tardou a sentir a imobilidade e insensibilidade do umbigo para baixo.
Puseram-me novamente de papo para o ar. Amarraram-me os braços, totalmente abertos. De olhos igualmente abertos e atentos a tudo, correram à frente do meu rosto uma mini cortina, nada via mas tudo ouvia. Em silêncio, confesso, estava assustado, quase apavorado.
Aos poucos fui acalmando e assim me mantive quase duas horas.
Ouvia perfeitamente o que o cirurgião chefe dizia ao estagiário, aprendiz “cortador”, e pensava para os meus botões - Lá se vai mais uma tirinha de toucinho com alguma carninha de permeio.
Quase a bater o meio dia informou-me o cirurgião chefe que tudo tinha corrido lindamente.
Perguntei a um enfermeiro que apareceu para me transportar quanto tempo levaria até voltar a sentir os pés. Cerca de hora e meia, duas horas, disse-me.
Fui conduzido para a sala de recobro na zona da cirurgia do ambulatório, mas numa conversa murmurada entre uma médica e a enfermeira de serviço percebi que daí a pouco tempo passaria para o 2º andar para os cuidados pós operatórios. Nesta curta permanência levei duas ou três advertências para o facto de querer levantar a cabeça e espreitar as pernas e os pés. Tal movimento e por efeito da anestesia podia despoletar umas indesejáveis e arrasadoras enxaquecas.
A subida ao 2º andar aconteceu pelas duas da tarde, e pés nem senti-los.
Uma sala com quatro lugares, três já ocupados, duas mulheres e um homem. Como o senhor sublimemente entoava umas graves notas de roncopatia!
Arrumado no meu canto, desconfortavelmente deitado numa estreita cama onde os braços apenas as guardas laterais os amparavam e suportavam, (a saudade que senti do meu confidente leito de prazer)  numa silenciosa luta interior aguardava ver os pés a mexer.
Aconteceu quase pelas seis da tarde. O efeito da anestesia durou perto de oito eternas horas.
Novo martírio começou.
Já levava cerca de 10 horas deitado de costas, com a passagem do efeito da anestesia, comecei a sentir nas costas e nos calcanhares umas dores horríveis. Aquelas meias elásticas causavam-me uma irritação violenta...
Hora de jantar.
Foi-me servido apenas uma dietética sopa de cenoura. Que desalento!
Pelas oito da noite a enfermeira permitiu que me sentasse num cadeirão existente na sala para alívio dos calcanhares e das martirizadas costas.
Obrigado, regressei à inóspita cama pelas dez da noite. Apagaram-se as luzes.
No ar os coloridos reflexos dos monitores onde estavam visíveis os gráficos do registos de tensão arterial de cada utente do espaço.
Rápido percebi que não iria dormir nadinha. Os medidores de tensão em média mediam a tensão três vezes por hora a cada utente, ruidosos no enchimento e no final de leitura, trabalhavam uma média de doze vezes por hora, tão incrivelmente bem coordenados que havia ruido a cada cinco minutos. Uma eficaz forma de manter a profissional de saúde em permanente vigília máxima.
Sofri, tanto que me culpei, por não ter levado uns tampões auditivos e um tapa-olhos que muito uso nos meus passeios moto turísticos.
Para agravar a situação, as costas teimavam em cada vez me doerem mais e o meu estômago clamava ardentemente por sólidos. Não posso omitir aqui a gentileza da enfermeira de serviço, que a lamentos meus, lá me ofereceu umas mini bolachinhas de água e sal. Chegou depois o pequeno almoço. Tive direito a uma carcaça e um pacotinho de manteiga...
Começou o processo da alta médica.
Leram-me a "cartilha" do que não deveria fazer nos próximos dias, com especial enfase para a total ausência de efectuar esforços de qualquer natureza.
Saí pelas 11 da matina na companhia de um casal Amigo de longa data, morador no meu bairro.
Mais uma experiência de vida que não quero voltar a repetir.
Ficam marcas que o próprio tempo jamais apaga.
Zé Morgas